Tradução livre de entrevista publicada no jornal The New York Times em 15 de outubro de 2013.
Romário criticou os gastos e planejamentos da Copa do Mundo, e ao mesmo tempo atua como congressista do Rio de Janeiro
BY SAM BORDEN
RIO DE JANEIRO – Ele nunca foi como os outros. Não é o jeito dele. Quando Romário de Souza Faria era apenas um garoto jogando bola nas ruas do Jacarezinho, ele dominou o bairro com a pelada, dia após dia. Quando ele se tornou uma estrela no seu clube e no país, às vezes chegava nos treinos de helicóptero. Quando sua carreira estava no topo e ele se tornou um ícone mundial, ele revelou que se divertia com uma vida social indisciplinada e disse uma vez: “Se eu não sair à noite, não vou pontuar!”.
Agora, como político, Romário está rompendo os padrões novamente. Enquanto outras lendas brasileiras, incluindo Pelé, Ronaldo e Bebeto, elogiam e têm planos para apoiar o Brasil como a Sede da Copa do Mundo no próximo verão, Romário lançou-se como um discordante. Em sua mente, ele é a voz do povo, e o povo – com manifestações em todo Brasil, desde o início deste ano parecem mostrar – é barulhento.
Mas Romário também é. Foi por isso que ele gravou um vídeo no Youtube incentivando os manifestantes que abalaram o país durante a Copa das Confederações este ano. É por isso que ele escreve nas redes sociais onde ele vê corrupção e de quem é a culpa. É por isso que ele continuamente critica os gastos e o planejamento da Copa do Mundo, e ao mesmo tempo atua como congressista do Rio de Janeiro.
Alguns acham que é estranho. Um dos maiores astros do futebol do Brasil é hoje o maior crítico da Copa do Mundo no Brasil? É estranho, com certeza. Mas para Romário, se encaixa.
“Ninguém me pede para calar a boca porque eles sabem que isso jamais acontecerá”, disse ele através de uma intérprete durante uma entrevista recente que aconteceu em seu apartamento na Barra, um bairro do Rio de Janeiro. “Quando eu era jogador, eu era um ídolo. As pessoas me viam como um dos melhores. Eu fui capaz de chegar ao topo. Fui o melhor do mundo em um determinado momento.” Ele encolheu os ombros: “Na política, eu não acho que vou ser o melhor político do mundo. Mas eu sei que não vou ficar quieto, também.”
Romário mira uma ameaça. Ele acredita que a Confederação Brasileira de Futebol, conhecida como a CBF, é uma “desgraça” e diz que seu ex-presidente, Ricardo Teixeira, que renunciou em meio a denúncias de corrupção, é “diretamente uma parte de tudo o que aconteceu de ruim no futebol brasileiro nos últimos 10 anos. “O substituto de Teixeira, José Maria Marin, é “de alguma forma ainda pior”. Um porta-voz da CBF não quis comentar as declarações de Romário.
A FIFA também é responsável por “roubar o povo brasileiro”, disse Romário, acrescentando que acreditava que o presidente da FIFA, Joseph Blatter, tinha pouco interesse em deixar o Brasil em bom estado após a Copa do Mundo. “A FIFA conseguiu o que veio procurar: dinheiro”, disse ele. “Eles não se importam com o transporte que afeta o público depois que os jogos acabarem. Eles não se preocupam com o que vai ser deixado para trás.”
Romário também vê pouca utilidade para seus companheiros brasileiros, que dão uma interpretação positiva sobre o que ele vê como uma oportunidade perdida para ajudar a aliviar inúmeras necessidades sociais de seu país. Ronaldo e Bebeto são membros do Comitê Organizador Local, e Romário riu quando seus ex-companheiros de equipe foram mencionados. Em referência a Ronaldo, que disse uma vez que “sediamos as Copas do Mundo com estádios, não com hospitais,” Romário revirou os olhos. “Ignorante”, disse ele. “Ou Ronaldo e Bebeto não estão cientes do que está acontecendo, ou eles estão fingindo que não estão cientes do que está acontecendo. De qualquer maneira, é ignorante. ”
Inicialmente, as autoridades brasileiras disseram que nenhum dinheiro público seria usado na construção de estádio. Agora, algumas estimativas mostram que 6,4 bilhões de reais de dinheiro público serão gastos na construção de estádios. A conta total para sediar o torneio poderia ser de 30 bilhões de reais, um número que deixa Romário doente.
“Você vê os hospitais sem camas”, disse ele. “Você vê os hospitais com as pessoas no chão. Você vê as escolas que não têm o almoço para as crianças. Você vê escolas sem ar-condicionado, onde as crianças vão para a escola em 45 graus Celsius”. Ele continuou: “Você vê prédios e escolas sem acessibilidade para as pessoas que são portadoras de deficiência. Se você gastar 30% menos nos estádios, eles seriam capazes de melhorar as outras coisas que realmente importam “.
Romário, que tem 1,69cm de altura e tem o apelido de Baixinho, balançou a cabeça antes de verificar uma lista de funcionários do governo e organizações de futebol que ele achou de mau gosto, incluindo FIFA.
“Eles acharam uma maneira de ficarem ricos na Copa do Mundo e roubaram as pessoas como alternativa.” Disse ele. “Esta é a verdadeira vergonha.”
A franqueza de Romário – não surpreende – está longe de ser universalmente apreciada. Aqueles que apóiam Marin e a CBF. chamam de equivocada a franqueza de Romário, e os observadores mais neutros podem achar suas queixas um pouco exageradas.
Juca Kfouri, um autor e professor de São Paulo que tem escrito sobre futebol e política, disse que, embora muitos concordem com as opiniões de Romário, também podem haver dúvidas razoáveis sobre suas intenções.
“Romário tem revelado o mesmo oportunismo político que ele mostrou como um jogador de futebol”, disse Kfouri.
Recentemente, Romário também teve uma briga com sua própria lengenda, o Partido Socialista Brasileiro, o que o levou a renunciar uma posição na Comissão de Turismo e Desporto do Brasil.
Ainda assim, o trabalho de Romário não é incomum para uma celebridade brasileira. Tiririca, um ex-palhaço profissional, foi eleito para um cargo público em 2010, e houve uma série de outros atletas ao longo dos anos. Pelé já foi ministro do Esporte. Bebeto foi eleito para a Assembléia Legislativa. E Sócrates, um meio-campista famoso dos anos 1970 e 80, era parte integrante da oposição contra o governo militar que governou até 1985.
Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasileiro Woodrow Wilson International Center for Scholars, chamou Sócrates de o precursor óbvio.
“Sócrates tornou-se emblemático como grande jogador brasileiro, e usou sua posição para protestar contra a ditadura”, disse Sotero. “Mas Romário é surpreendente em certos aspectos. O pensamento no Brasil sempre foi que ele é um bom jogador de futebol, porque ele não pode fazer qualquer sentido. Mas ele tem feito muito sentido.”
Esse é talvez o aspecto mais curioso da campanha fervorosa de Romário contra a Copa do Mundo. Durante o auge da sua carreira de futebol, teria sido um absurdo prever que o homem que diversas vezes rotulou Pelé como “imbecil” e “retardado mental” se tornaria um político populista obstinado. E que o homem que notoriamente brigavam com os fãs grosseiros um dia iria tornar-se um leal defensor do proletariado.
A perspectiva, tal como era, chegou há oito anos. Foi quando a filha de Romário, Ivy, nasceu com síndrome de Down e, segundo ele, foi despertado para a situação das pessoas com deficiência. Instado a citar o seu momento de maior orgulho, ele não citou a Copa do Mundo de 1994 ou o dia em que ele marcou o seu 1000 º gol de sua carreira quando jogava pelo Vasco da Gama (um total que reconhecidamente se utilizou de uma matemática criativa porque incluía gols marcados na juventude e em jogos amigáveis, que não são contados pela FIFA). Em vez disso, Romário hesitou e inclinou-se para frente. “Um dos meus melhores dias foi nos primeiros seis meses do meu mandato”, disse ele. “Eu fui capaz de aprovar uma lei que foi sancionada pelo presidente que incentivava e ajudava as pessoas com deficiência. A lei impedia as pessoas com deficiência a trabalhar porque elas poderiam perder o subsídio do governo. Agora eles podem trabalhar .”
Ele deu de ombros. “Comparar este fato com fazer um gol importante, não é a mesma coisa”, disse ele. “Com isso, você conquistou alguma coisa. Você realmente fez alguma coisa. ”
Diz-se ainda que o velho Romário não desapareceu. Embora possa concorrer ao governo do Rio de Janeiro no próximo ano e seu cabelo tenha ficado branco nas laterais, o seu vigor político permanece misturado com uma forte dose de vida difícil. Ele ainda vai na praia, em frente ao seu apartamento, sempre que pode joga futevôlei, uma versão de vôlei de praia que proíbe o uso das mãos. Ele ainda lida com colunistas sociais que acompanham seus relacionamentos amorosos (o divórcio teve destaque na mídia, e foi relacionado com uma mulher que competiu no concurso Miss Bumbum, consiste num concurso de beleza onde as mulheres são julgadas pelos seus glúteos). Ele regularmente ainda frequenta boates e festas e tira fotos com muitos fãs, tanto do seu trabalho em campo quanto fora dele.
“Eu costumava dormir mais durante o dia do que à noite”, ele disse. “Agora eu pelo menos durmo um pouco durante a noite. Só um pouco.”
Por fim, Romário não se desculpa – nem pelo seu comportamento e nem pela sua política. Seus eleitores no Rio o conhecem; e sabem quem ele era e quem ele se tornou.
“Primeiro, eu achei que ele iria entrar na mídia ou ganhar dinheiro fácil,” disse Tiago Antonio, um taxista do Rio, “mas parece que está fazendo um bom trabalho.”
Paulo Tadeu, outro taxista, disse que admira as bandeiras de Romário.
“Não há boas escolas, não há bons hospitais – como pode haver uma Copa do Mundo?”, disse.
Isto, com certeza, é o que Romário continua questionando mais e mais. Outras celebridades falaram após os protestos durante a Copa das Confederações deste ano, o que levou a imagens dissonantes de fumaça e gás lacrimogêneo que dominaram a cobertura jornalística do que era para ter sido, supostamente, um evento modelo para o Brasil.
Muitos pediram aos manifestantes para reconsiderar a sua abordagem. Mesmo Pelé a certa altura contou a mídia brasileira, rede Globo, que as pessoas devem “esquecer toda essa comoção.” Contrariando, ele disse que as pessoas devem “se lembrar que a seleção brasileira é do nosso país e nosso sangue.”
Mas Romário não quer que o povo esqueça. Ele quer que eles se levantem e marchem e cantem e gritem. Ele quer que o povo faça muito barulho. Ele quer que eles manifestem de acordo com o que acreditam – se é governo transparente ou transporte público mais barato – mesmo que isso deixe a Copa do Mundo no Brasil com um legado que é menos corrupto.
Será que os protestos voltar no próximo verão? Romário sorriu, arregalando os olhos.
“Eu não só acho que eles vão voltar, como acho que eles deveriam retornar”, disse ele. “Haverá uma Copa do Mundo aqui no próximo ano, nós sabemos disso. Mas isso, estas manifestações, é a maneira de fazer os políticos acordarem “.
Ele se inclinou para trás e riu. “Esta é a maneira que você pode fazer as pessoas pensarem se vão roubá-los novamente amanhã.”
Tradução: Nathália Alvarenga