Esta entrevista foi concedida por email à jornalista Ivana Negrão, do portal UOL. A matéria pode ser conferida aqui: Entenda por que o Congresso Nacional está em débito com esporte brasileiro https://www.uol.com.br/esporte/colunas/lei-em-campo/2020/12/10/entenda-porque-o-congresso-nacional-esta-em-debito-com-o-esporte-brasileiro.htm
O projeto da Lei Geral do Esporte está parado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado desde 2017, o senador Romário apresentou requerimento para que, diante do vencimento de prazo para apresentação de relatório na Comissão de Constituição e Justiça, o projeto seja encaminhado para a Comissão de Educação e Esporte do Senado e, assim, possa ser debatida com a sociedade.
1) É sobre a PLS 068/2017 que institui a Nova Lei Geral do Esporte. Como anda a tramitação no Senado? O Projeto de Lei foi elaborado em 2017 por uma comissão de juristas convocada pela casa e até hoje não foi analisado.
Romário: É verdade. A propósito, ontem, dia 8 de dezembro, completaram-se três anos que esse projeto de lei foi entregue ao relator, meu colega senador Roberto Rocha. Nesse tempo, inclusive, integrei a Comissão de Constituição de Justiça na esperança de debater e votar o projeto. Eu pretendia, inclusive, chamar uma audiência pública com representantes do esporte para o debate indispensável, a fim de poder elaborar emendas visando chegar a um texto final mais próximo da nossa realidade. E bom lembrar que o Regimento da Casa prevê que o relator deve apresentar o seu relatório no prazo de cinco sessões da CCJ. Porém, apesar de já se passarem três anos, o documento continua com o mesmo relator designado originalmente pela presidência da Comissão de Constituição e Justiça. Lembro, ainda, que essa proposta, elaborada por uma comissão de renomados juristas do esporte, além de atualizar a Lei Pelé (nº 9.615), passa a concentrar toda a legislação afim surgida nas duas últimas décadas. Daí o seu nome, “Lei Geral do Esporte”.
2) O projeto tem pontos importantes, que preenchem lacunas da legislação atual. Como a que a MP 984, assinada por Bolsonaro, tentou fazer ao estabelecer o direito exclusivo do mandante do jogo para negociar suas partidas. Mas a medida provisória também não andou na Câmara. Como o senhor enxerga que o Congresso Nacional tem lidado com as pautas voltadas ao esporte? Com a atenção devida?
Romário – Nos últimos anos, Câmara e Senado têm legislado sobre o esporte de forma emergencial, quando surgem problemas. Isso demonstra que esse segmento, de importante abrangência social, precisa de maior atenção de todos os parlamentares. Porém, nesse período houve troca de governo, o que implica numa rearrumação das bancadas e, consequentemente, atrasando os trabalhos legislativos. Em segundo lugar, o ano de 2020 foi péssimo para os trabalhos das duas Casas devido a pandemia. Como todos sabem, as sessões virtuais limitam-se à análise e votação de projetos voltados para o combate ao Coronavírus. Porém, concordo que o segmento esportivo, aí englobando as atividades físicas em geral nas diferentes idades, é por demais importante para não receber atenção. Refiro-me a projetos de qualidade de vida para a população em geral, tanto jovens quanto idosos, contribuindo para evitar obesidade, por exemplo, e reduzir as visitas aos ambulatórios e hospitais públicos, redução de gastos governamentais, como já provado em outros países. Da mesma forma, projetos de incentivo à indústria do esporte, um dos setores que mais contribui para a formação do nosso PIB. O Brasil pós-megaeventos não deu a atenção que o esporte em geral merece. Essa questão da atualização da legislação é um exemplo, mas sem esquecer que o governo que chegou ao poder reduziu o status do esporte a uma secretaria de um ministério, o da Cidadania. Particularmente, estou consultando as entidades afins envolvidas com o esporte para delas receber sugestões ao PL 068, para que sejam analisadas e, as bem fundamentadas, transformadas em projetos de lei que apresentarei.
3) O PL 68/2017 também tipifica o crime de corrupção privada. Não seria mais um ponto importante para o combate à corrupção de dirigentes e gestores? Ainda mais depois dos casos de corrupção investigados que mostraram irregularidades e má gestão dos comandantes do futebol brasileiro e de outros esportes também?
Romário – Com certeza, esse é um dos pontos que moderniza a legislação, e a proposta no projeto de lei, que foi relatado pelo advogado e Professor Wladimir Camargos, pode ser ainda mais eficaz. Nesse aspecto do combate à corrupção, lembro que presidi a CPI do Futebol e, fugindo a regra, apresentei um relatório alternativo ao do relator (Romero Jucá), que abonava as falcatruas da CBF, o principal órgão investigado à época. Porém, o documento que assinei com o senador Rodolfo Rodrigues detalhava, com base em documentos que obtivemos, graças a quebra de alguns sigilos, como alguns membros da quadrilha que assaltou o futebol brasileiro e ganhava dinheiro fácil usando a Seleção Brasileira, por exemplo, nosso mais importante patrimônio esportivo. Tudo isso documentado. Ou seja, o relatório que apresentamos mostrava o caminho das pedras às autoridades de fiscais e da Justiça brasileira, entre elas os ministros do STF, Ministério Público Federal, Procuradoria Geral da República, Polícia Federal, Banco Central do Brasil etc, aos quais encaminhei o documento, na esperança de que houvesse uma investigação oficial. Não houve. E aí estão os três principais ladrões do nosso futebol. Ricardo Teixeira, Marco Polo Del Nero e José Maria Marin, banidos do esporte pela FIFA, porém, transitando com liberdade pelo Brasil. Lembro, também, que o combate à corrução é uma causa que abracei desde o início de minha carreira parlamentar, em 2011, como deputado federal. Naquela legislatura, votei contra o projeto de lei que praticamente anistiava a bilionária dívida fiscal dos clubes, que concedeu perdão das multas e abatimento de 80% nos juros, além de parcelar o saldo em 240 meses, vinte anos. E o que temos hoje? Salvo uma minoria, os clubes continuam endividados, não cumpriram o contrato que assinaram, oneraram o cofre público, como eu previ no pronunciamento que fiz quando votei contra o projeto. Tudo isso reforça a necessidade urgente de atualizarmos a legislação com regras mais duras para estancar o abuso dos mãos peludas do esporte. Ainda sobre isso, lembro que o nosso relatório apresentou proposições para modernizar a gestão do futebol, entre eles a tipificação de crimes cometidos pela cartolagem. Esses gestores terminam os seus mandatos e desaparecem, deixando um problema enorme para o sucessor que, não raras vezes, repete a triste receita. Isso não é mais admissível.
4) Por fim, como o senhor enxerga a possibilidade de uma legislação que seja atual e englobe as demais em uma só para o esporte brasileiro?
Romário – Esse assunto é muito amplo e já debatemos ele desde quando fui presidente da Comissão de Esporte da Câmara dos Deputados. Lembro que o advogado Pedro Tengrouse, da FGV, que integrou a comissão que elaborou o PL 68, insiste que o nosso sistema esportivo em geral é antigo, é do tempo de Getúlio Vargas, que criou o sistema federativo. Isso foi no início dos anos 1950. Ou seja, são 70 anos!!!! Nessas sete décadas tudo evoluiu no esporte, inclusive regras, preparação física, equipamentos etc, mas o nosso sistema continua com as federações estaduais vinculadas a uma confederação e, essas, ao COB ou ao CPB. Esse modelo é eficiente nos tempos modernos de agora? Afinal, qual o modelo mais adequado a um país que tem oito mil quilômetros de extensão entre os extremos do Amazonas e do Rio Grande do Sul? Qual o papel da escola na iniciação esportiva? Compete à educação incluir na grade escolar esse componente, como ocorre nos Estados Unidos, por exemplo? Qual a contribuição dos clubes sociais no contexto esportivo brasileiro? E o Estado, deve ser o provedor financeiro do esporte profissional ou deixar isso para a iniciativa privada e deixar ao Estado a competências do esporte escolar e comunitário? E o que significa o esporte como instrumento para melhorar a saúde e qualidade de vida da população? Enfim. A partir dessa discussão, elaborar um novo modelo para o esporte brasileiro. No início do governo do PT foram realizadas três grandes conferências nacionais do esporte que debateram justamente isso. Os relatórios que saíram dessas conferências, que começaram nos municípios, subiu aos estados e com uma grande final em Brasília, são riquíssimos em informações e sugestões, projetos e modelos para a implantação de um novo sistema. Porém, não passou disso, debate, apenas debate. Os governos se sucederam e nenhum tratou de agilizar esse assunto. Agora, estamos correndo atrás de uma modernização da legislação, o que é certo e necessário, porém, sem que os governos de ontem e o de hoje tenham tratado da questão preliminar da atualização do “sistema esportivo”. Enquanto isso, as instituições do esporte exigem o tratamento de entidades privadas, e estão certas. Porém, não conseguem existir sem as verbas públicas do governo, como as loterias, Lei de Incentivo ao Esporte, patrocínio estatal, convênios etc. Isso também precisa ser debatido com urgência naquele contexto que me referi mais acima, ou seja, o alto rendimento é responsabilidade do Estado? Se é, não pode ficar abandonado.