Brasília – A reestruturação do modelo de ensino em vigor no Brasil, o aumento da carga horária nas escolas e a estruturação da carreira dos professores, especialmente os do ensino básico, foram as principais questões debatidas na audiência pública desta quarta-feira (7) na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) do Senado, presidida pelo Romário (PSB-RJ). O tema da audiência foi ensino integral, em que especialistas e senadores analisaram o programa Mais Educação, principal estratégia para a ampliação da jornada escolar nas escolas públicas – meta 6 do Programa Nacional de Educação (PNE).
A audiência foi convocada com o objetivo de identificar os obstáculos e propor soluções para o que é considerado o desafio da implementação do ensino integral no Brasil. Tramita pela CE um projeto de lei de autoria do senador Wilson Matos (PSDB-PR) e relatoria de Cristovam Buarque (PDT-DF) que tem o objetivo de tornar obrigatório o tempo integral nas escolas (PLS 255/2014) por meio da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), no âmbito da qual foi criado o PNE.
Para a diretora executiva da associação Cidade Escola Aprendiz, Natacha Costa, o Brasil precisa reestruturar o modelo de ensino no país para que seja instituída, de fato, uma educação integral no Brasil – com interdisciplinaridade, gestão democrática do conhecimento, ensino por meio de projetos e a ampliação da experiência educativa. Segundo ela, um dos principais defeitos da atual estrutura de ensino é a desconexão entre as escolas e as comunidades das quais fazem parte.
“Ao contrário do que aconteceu no âmbito da saúde, por exemplo, em que houve uma articulação com o território, com agentes comunitários, o mesmo não ocorreu com a educação. A escola não conhece o perfil dos seus alunos. A escola está isolada”, criticou Natacha.
A diretora da Cidade Escola Aprendiz enfatizou que atual carga horária nas escolas públicas – de 4h30 – é insuficiente para suprir as necessidades pedagógicas dos estudantes, assim com o modelo adotado está defasado – de divisão do tempo de acordo com disciplinas.
“A educação integral é uma agenda de qualidade, que demanda integração social, afetiva, intelectual, física e simbólica. As aprendizagens são múltiplas e a escola não pode ser marcada por uma lógica de obrigatoriedade sem sentido. Daí os dados de evasão. A escola passa a não fazer sentido nem para o presente nem para o futuro daquele estudante”, explicou.
Dados de pesquisas sobre o tema mostram que 90% dos brasileiros, quando informados sobre o que é o ensino integral, acreditam que o modelo é necessário para o futuro.
“Precisamos fazer da educação uma política do Estado brasileiro, terminando com esses ciclos que levam juntos todas as construções feitas até então”, criticou a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jaqueline Moll, sobre programas com o Mais Educação, que são descontinuados, em muitos casos, pela atuação partidária dos governos. Estima-se que o programa tenha chegado a escolas de mais de 5,5 mil municípios brasileiros, atingindo uma capilaridade importante.
Dados apresentados pelo coordenador-geral de Educação Integral da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC), Leandro Fialho, mostram que, de 2008 a 2015, a educação em tempo integral foi ampliada de 1,3 mil escolas para 58,6 mil. No entanto, essa ampliação esbarra em obstáculos, como falta de espaço, materiais, alimentação e a própria falta de atratividade da carreira dos professores.
“Ainda assim, há muito o que se avançar. O filho do trabalhador não tinha condição de ter educação em tempo integral. O Mais Educação é um programa indutor, mas precisamos efetivar educação integral como política pública no Brasil. Não é só o MEC [Ministério da Educação], precisamos de esforço coletivo, da sociedade. Temos um passivo educacional”, argumentou Fialho.
A secretária municipal de Educação de Belo Horizonte, Sueli Maria Baliza Dias, exemplificou experiências bem-sucedidas na educação com a adoção do ensino integral. Em seu município, 65 mil estudantes fazem parte do Mais Educação.
“O resultado que nós obtivemos desse programa é fantástico, nós já temos alunos que são campeões de olimpíadas de xadrez e matemática. Podemos ver que os alunos realmente se desenvolvem ainda mais, se tornando alunos e pessoas melhores”, contou Sueli.
O programa Mais Educação, debatido pela comissão, é uma estratégia do MEC criada para induzir a construção de uma agenda de educação integral nas redes estaduais e municipais de ensino. A proposta amplia a jornada escolar nas escolas públicas, para, no mínimo, 7 horas diárias. Nesse período, seriam oferecidas atividades optativas em diversos campos, como acompanhamento pedagógico, educação ambiental, esportes, direitos humanos, artes, cultura digital, uso de mídias, educação econômica e investigação científica.