Proibir o funk é discriminar a periferia, avaliam debatedores
Publicado em 14 de setembro de 2017 às 11:59
Em debate promovido, nesta quarta-feira (13), funkeiros, parlamentares e acadêmicos discordaram unanimemente da sugestão legislativa que pretende criminalizar o funk. A discussão aconteceu na Comissão de Direitos Humanos do Senado, convocada pelo senador Romário (Pode-RJ).
O parlamentar, que é relator da proposta, reuniu os convidados para embasar seu parecer a respeito da proposta e saiu da reunião com uma certeza: Sou 100% contrário ao texto.
A posição de Romário tem como base a enxurrada de críticas que a sugestão legislativa recebeu. De preconceituosa a antidemocrática, não faltaram argumentos contrários ao texto do web designer Marcelo Alonso. Como autor da sugestão, Alonso apontou que o ritmo musical é “um crime de saúde pública contra crianças, adolescentes e a família”. Ele não quis comparecer à audiência para o debate.
Falsa cultura
A proposta, que recebeu mais de 20 mil assinaturas, deu entrada como Ideia legislativa, através do Programa e-Cidadania no Senado Federal. O texto justifica-se dizendo que o funk deve ser qualificado como uma “falsa cultura”, deve ser criminalizado porque os bailes são um meio de recrutamento utilizado por criminosos para realizar suas atividades – desde “arruaça” e venda de álcool para menores até crimes gravíssimos, como estupros coletivos e pedofilia, passando por consumo de drogas ilícitas, roubos e sequestros.
Argumentos rebatidos por Romário. “Entendo que é preciso ter muito cuidado para não aderirmos cegamente ao preconceito. Dizer que o funk é uma falsa cultura supõe que tenhamos uma resposta clara à questão sobre o que seria uma verdadeira cultura”, ponderou. O parlamentar também lembrou que as condutas criminosas atribuídas ao funk já estão tipificadas no Código Penal, tais como o tráfico de drogas, porte de armas, exploração sexual e estupro e devem ser combatidas com o rigor da lei.
A antropóloga Mylene Mizrahi também desqualificou o argumento de que o ritmo musical faz apologia ao crime. Para a acadêmica, o funk funciona como espaço de afirmação de múltiplas diferenças. “Faz-se discurso machista, faz-se discurso feminista, faz-se afirmação de identidade trans, louva-se a Deus e louva-se ao bandido”, observou.
Democracia
Uma das principais críticas à sugestão legislativa é a de seu caráter antidemocrático. Para Mylene Mizrahi, o funk é uma manifestação cultural e a cultura não pode ser controlada, a não ser em Estado de exceção, quando o governo cerceia direitos individuais. “Perseguir um ritmo, seus músicos e usufruidores, nem um Estado militar propôs tal coisa. O que querem de fato é não viver em democracia, é rasgar a Constituição e ferir um direito individual”, afirma a antropóloga.
Realidade cruel
Para o cantor MC Koringa, as letras de funk retratam a realidade de jovens que moram em comunidades carentes, uma vida bem diferente do glamour retratado pela televisão. “O crime por si ele já existe. As leis existem para penalizar esses crimes existentes. Restringir o funk é eximir-se da culpa de uma realidade”, declarou o MC.
O cantor e compositor do famoso “Rap da Silva” da década de 90, MC Bob Rum enxerga no funk uma oportunidade de mudar a realidade de jovens de periferia, assim como aconteceu com ele. “Acho que se não fosse a oportunidade que a música funk me deu, com certeza eu não teria como abrir o leque para outros sonhos e conquistas”, confidenciou o compositor.
Também participaram do debate o representante da Secretaria Nacional da Juventude, Bruno Ramos e o presidente do Conselho Nacional da Juventude (CONJUVE), Andreson Pavim.
Romário deve entregar seu relatório contrário à proposição na comissão nos próximos dias. Em caso de aprovação do texto do parlamentar, a proposta de criminalização do funk será arquivada.
Foto: Rafael Nunes