Primeiros anos de vida são determinantes para desenvolvimento e aprendizado, dizem especialistas
Publicado em 21 de outubro de 2015 às 15:30
Brasília – A interação entre um indivíduo e o contexto econômico, psicológico, emocional e social do qual faz parte em seus primeiros anos de vida e os impactos dessa ação mútua foram tema de debate nesta quarta-feira (21) na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) do Senado. O objetivo da audiência pública, presidida pelo Romário (PSB-RJ), foi discutir se e como os primeiros anos de vida de uma criança e a genética dessa mesma criança se relacionam de forma a influenciar o seu desenvolvimento.
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O período citado pelos especialistas que participaram do debate é chamado de primeira infância, que vai da fase intrauterina aos 6 anos de idade. A audiência desta quarta-feira foi uma das atividades no âmbito da 8ª Semana de Valorização da Primeira Infância e Cultura da Paz, promovida pelo Senado. A programação da semana vai até a próxima sexta-feira (22).
“A primeira infância uma fase determinante para a capacidade cognitiva e a sociabilidade do indivíduo, pois a pessoa absorve todas as informações e as respostas são rápidas e duradouras. Eu tive a oportunidade de conviver durante seis momentos distintos com cada um dos meus filhos”, disse Romário.
Para os debatedores, a primeira infância é fundamental para a vida de todos os indivíduos, pois é quando são formadas as bases para o aprendizado, a cognição, a memória; em suma, a formação a mente.
Em linhas gerais, a tese debatida foi a de que o meio é capaz de exercer influência sobre a carga genética de uma pessoa, o que é chamado de epigenética. A analogia feita pelo pediatra e neonatologista francês Gilles Cambonie foi a de que os genes são como um alfabeto; a epigenética, como uma linguagem.
“O exterior não modifica o que está escrito no gene, mas o meio ambiente no qual os genes estão inseridos pode modificar como eles se manifestam”, explicou na audiência.
De acordo com a psicóloga Maria Regina Maluf, a ideia de que a genética determina o comportamento das pessoas não tem embasamento científico. “Temos que trabalhar com relação de influência mútua e recíproca entre os genes e o meio ambiente no que diz respeito ao desenvolvimento da criança. Está clara a associação entre os primeiros anos de vida e o impacto do desenvolvimento da criança e da escolarização sobre a vida adulta”, argumentou a psicóloga.
Para ela, a garantia de condições básicas de saúde, nutrição e apoio emocional, por exemplo, são essenciais para que uma criança chegue em boas condições de aprendizado no ensino fundamental. Muitas dessas condições, no entanto, estão estreitamente relacionadas a fatores econômico-sociais e à pobreza.
“No Brasil, algo em torno de 50% das crianças estão em situação de pobreza, dependentes de políticas públicas que garantam condições mínimas. Há um impacto da pobreza sobre a constituição do pensamento, mais ainda se faltarem interações sociais e emocionais bem construídas, o que não é raro”, explicou Maria Regina.
Conforme indicou o psicólogo, psicanalista e pedagogo, Luiz Antonio Corrêa, uma alimentação adequada está diretamente relacionada os processos neuroquímicos que se desenvolvem no cérebro – e, consequentemente, contribuem ou prejudicam o desenvolvimento da mente em relação ao aprendizado, à cognição e à memória.
Ele exemplificou a importância da alimentação citando o exemplo do ritmo neurológico de uma criança bem nutrida, que tem uma condução mais rápida e eficiente de impulsos nervosos que podem chegar à velocidade de 340 quilômetros por hora (km/h), contra 8 km/h de uma criança cujos neurônios foram desgastados pela má alimentação.
“Trezentos e quarenta km/h é um monomotor. Se tratam de crianças quem já entenderam o raciocínio quando você ainda está na metade da explicação. O mesmo não ocorre com uma criança mal alimentada”, avaliou Côrrea.
O neonatologista Gilles Cambonie também falou sobre o stress intrauterino e os impactos na propensão ao desenvolvimento de distúrbios mentais, como depressão e esquizofrenia. O médico deu como exemplo estudos conduzidos com pessoas cujas mães estiveram grávidas durante períodos de stress, como guerras e desastres naturais, ou que passaram por situações traumáticas, como a perda do cônjuge.
“Ansiedade crônica durante a gestação pode influenciar desenvolvimento psicológico e cognitivo do bebê e da criança no futuro, por exemplo. A redução da capacidade de comunicação entre os neurônios devido ao stress perinatal pode ser demonstrada cientificamente por meio da plasticidade dos neurônios”, explicou.
Cambonie ressaltou ainda a importância da primeira semana de vida e da proximidade entre a mãe e a criança, quando está sendo esculpido o sistema nervoso central do bebê, que ainda pode ser alterado por meio dessa interação.
Para a psiquiatra francesa Françoise Molénat, emoções negativas só se transformam por meio de interrelações marcadas pela empatia. Ela citou um estudo realizado com mães usuárias de drogas que receberam acolhimento multidisciplinar antes e durante a gestação.
“Elas estavam em uma situação de extrema fragilidade e de vulnerabilidade social. No entanto, receberam um acompanhamento baseado na empatia, não no julgamento. As crianças tiveram desenvolvimento melhor do que as de mães quer não tiveram o mesmo tipo de apoio”, disse.