Data: 04/10/2016
Discurso de Romário sobre a reforma no ensino médio
REFORMA DO ENSINO MÉDIO
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores,
Tivemos, no último domingo, as eleições municipais em 5.570 municípios brasileiros, com muitas capitais e grandes cidades ainda aguardando um segundo turno.
Apesar da agenda política brasileira ainda estar dividida com as questões locais, eu vim a esta Tribuna para falar de um assunto de extrema importância, que se tornou ainda mais urgente em função de uma medida provisória apresentada pelo governo federal, que é a proposta de reforma do ensino médio.
Como presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte, conduzimos muitos debates sobre a qualidade do ensino no Brasil. Na voz de educadores, estudiosos, pais e alunos, constatamos a necessidade de promover mudanças profundas em nosso modelo de ensino. Percebemos também que nem sempre há consenso sobre quais medidas podem realmente ajudar.
Infelizmente, mesmo o que está ruim ainda pode piorar, e foi exatamente isso o que aconteceu. O resultado do último IDEB, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, mostrou que a nota do ensino médio segue estagnada desde 2011, ficando muito abaixo e cada vez mais distante da meta prevista. Perdemos, no mínimo, cinco preciosos anos.
Senhor Presidente, isso é uma tragédia que ameaça o futuro da nossa juventude e do nosso país. Estamos falhando em entregar a cada jovem brasileiro as ferramentas mais importantes para o trabalho e para a vida.
É como chegar num campo fértil com energia e disposição, mas apenas com as mãos nuas. Olhamos para o outro lado da cerca e vemos o vizinho usando tratores, sistemas de irrigação e fertilizantes. Se não mudarmos nada, nossa colheita será pouca e o futuro será sombrio.
Diante dessa triste realidade, o governo trouxe a público e apresentou ao Congresso a Medida Provisória 746, que propõe uma reforma no ensino médio. É preciso louvar o fato, Senhor Presidente, de que o governo finalmente reconheceu a urgência e a importância do assunto, ao chamar para si a responsabilidade de propor as mudanças.
Concordo com o mérito, porém discordo da forma. Algo tão importante não poderia chegar a esta Casa na forma de uma Medida Provisória. Entendo que o objetivo foi reduzir o tempo de discussão e votação, mas isso traz o risco de atropelarmos o diálogo.
Uma reforma tão profunda só vai atingir seus objetivos se contar com o apoio de toda a comunidade educacional. Esse apoio tem que ser conquistado através do debate, ouvindo o que cada um tem a dizer. Uma enquete conduzida recentemente pelo Senado mostrou que mais de 90% das pessoas estão contrárias ao projeto. Muito disso vem da forma como foi apresentada a proposta.
Mas o fato é que a MP chegou e agora precisamos nos debruçar sobre ela. Já foram apresentadas 568 emendas ao texto, o que demonstra que este Congresso está atento ao tema. Demonstra também que não existe consenso e que ele precisa ser construído.
As controvérsias são muitas, Senhor Presidente, mas eu preciso destacar um tema muito importante na minha atuação parlamentar, que é a Educação Física nas escolas. O texto da Medida Provisória retira a obrigatoriedade da Educação Física durante todo o ensino médio, e eu discordo totalmente dessa proposta. Este é um enorme equívoco que precisa ser corrigido aqui no Senado.
Por sorte, Senhor Presidente, tenho uma avalanche de argumentos e uma multidão de especialistas que compartilham a minha posição: a educação física é fundamental, indispensável, imprescindível para a formação integral dos jovens de todas as idades.
Nosso país vive uma epidemia de doenças causadas pelo sedentarismo. No Brasil, 52% dos adultos estão acima do peso, e isso gera um enorme custo social. O médico Drauzio Varella deu visibilidade a um estudo mostrando que, em nível mundial, a inatividade física tem um custo de US$67 bilhões, quando se somam os gastos dos sistemas de saúde e os anos perdidos de trabalho.
Um jovem sedentário se transforma em um adulto sedentário, quando será muito mais difícil mostrar os benefícios trazidos pela atividade física. O lugar certo de apresentar isso, de forma prazerosa, é na escola.
Talvez este seja o argumento mais conhecido, mas existe outro ainda mais impressionante: inúmeros estudos científicos demonstram que a atividade física melhora o rendimento escolar. O exercício físico aumenta a oxigenação do cérebro e a atividade neuronal, com isso melhorando a capacidade de concentração, o processamento de informações e a memória. Isso é ainda mais importante na adolescência, quando o cérebro tem maior plasticidade. O estudante que se exercita mais, aprende mais.
Liderança, mediação de conflitos, cooperação, autocontrole, foco, tudo isso se aprende no esporte, que é uma modalidade da educação física. Alguém tem dúvida de como essas habilidades são fundamentais para o sucesso na vida adulta? Não é isso o que chamam de “inteligência emocional”?
Acabamos de promover uma Olimpíada e uma Paralimpíada no Brasil, e é tempo de pensar nos próximos ciclos olímpicos. Será que retirar a atividade física do ensino médio, que é exatamente onde nascem os atletas que serão futuros campeões olímpicos, é coerente com todo o investimento que fizemos? É isso o que espera a nossa juventude?
Por tudo isso, Senhor Presidente, é que apresentei uma emenda à MP 746, para que a educação física não apenas seja disciplina obrigatória em todo o ensino básico e fundamental, mas que também seja expandida e diversificada. Seis em cada dez escolas do Brasil não têm quadra de esportes. No Rio de Janeiro, quase metade das escolas não tem um espaço adequado para a prática de atividade física. Esse deve ser o foco: melhorar a infraestrutura e ter professores de educação física capacitados e estimulados.
A questão de quais disciplinas devem ser obrigatórias é um tema que precisa ser discutido com cuidado, considerando as contribuições da Base Nacional Comum Curricular, que está sendo revisada. Considero muito importante que a nossa juventude aprenda sobre cidadania, através do estudo da Constituição brasileira durante o ensino médio e apresentei um Projeto de Lei nesse sentido. O mesmo pode ser dito do ensino de Artes, que abre caminho para outro tipo de inteligência.
São muitas possibilidades, mas tenho certeza de que é possível achar um caminho. Por isso eu queria terminar fazendo um apelo a todos os parlamentares. Sei que são muitas as obrigações de todo Senador e todo Deputado, mas eu peço que deem a máxima atenção à discussão deste tema. A Comissão de Educação, Cultura e Esporte, sob minha presidência, está aberta para ser um fórum de debates sobre essa proposta de reforma.
Aprendemos, da maneira mais amarga possível, quanto custa negligenciar a educação, e por isso não temos mais tempo a perder. Chegamos a uma encruzilhada, onde um caminho acertado pode representar um salto para o futuro que tanto sonhamos. É um compromisso que precisamos assumir, com total dedicação, em nome de todos esses jovens que nos assistem e dos brasileiros que ainda nem nasceram.
Era isso o que eu tinha a dizer. Muito obrigado.