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Presidente da CBF manipula números sobre futebol

Publicado em 15 de dezembro de 2015 às 14:17

Poucas vezes um artigo pareceu tão esclarecedor sobre seu autor como este que o presidente interino da CBF, Marcus Vicente, recém publicou no jornal Folha de S.Paulo. (Leia aqui o artigo no site do jornal)

Nesse monte de palavrório é difícil encontrar algo que não seja uma besteira grosseira ou pura embromação. O cartola, apesar de mais de 21 anos como presidente da Federação do Espírito Santo e alguns meses como vice da CBF, não tem a menor ideia de o que está falando.

Para sustentar seu discurso de mudança, Vicente apresenta números. O problema é que todos estão muito, muito errados. Os erros são tão grosseiros que fiquei pensando se o assessor que escreveu o texto na verdade não está tentando desmoralizar o dirigente.
Os principais números do cartola são:

1. A MLS vai faturar US$ 1 bilhão com TV, em 2016. Na verdade, a liga de futebol dos EUA não fatura nem 10% disso, só US$ 90 milhões anuais. São US$ 75 milhões pagos por ESPN e Fox combinados, e US$ 15 milhões pela Univisión. Contrato velho? Ao contrário. Esses dois começaram a valer neste ano e vão até 2022.De acordo com este contrato, eles podem faturar perto de US$ 1 bilhão em oito anos, mas não em 2016.

2. Nos EUA, o futebol corresponde a 3,5% do PIB. Se fosse verdade, seriam US$ 639 bilhões movimentados pelo soccer. Isso é mais do que os US$ 620 bilhões que os EUA, país com a maior força militar do planeta, gastam com suas Forças Armadas. Para ter uma ideia do tamanho do absurdo, basta ver que o faturamento somado de todos os times da NFL, a riquíssima liga profissional de futebol americano, é de “só” US$ 11 bilhões de dólares. E o futebol, mesmo considerando a indústria de material esportivo ligada à modalidade, talvez nem fature isso. Ou seja, Vicente exagerou o número dezenas de vezes.

3. O futebol só representa 0,25% do PIB do Brasil. Neste caso, o erro é ao contrário. Estudos mostram que o futebol responde por cerca de 0,8% do PIB, ou cerca de R$ 44 bilhões.

O mais ridículo é que para derrubar os números do artigo do presidente interino da CBF não foi preciso acessar nada além do que… a internet. Nos EUA, o país mais capitalista do mundo, em que os cartolas não fazem promessas de transparência, os valores dos contratos são públicos. É exatamente o contrário de o que fazem os cartolas da CBF.

Em outro ponto. Vicente diz que fora das regras tudo é jogo sujo. Nisso concordamos. Mas a qual sujeira será que ele se refere? Será a tentativa dele de eleger o coronel Nunes, na próxima quarta-feira, dia 16, para vice da CBF, a fim de impedir que Delfim Peixoto suceda Marco Polo Del Nero, e rompa a cadeia de poder iniciada por Ricardo Teixeira em 1989?

Ou será que ele pensa no processo movido pela Desportiva Ferroviária, do seu Estado, contra a CBF por ter perdido, por uma canetada, uma vaga na Série C de 2004, um processo que surpreendentemente chegou a dezenas de milhões de reais?
Ou Vicente está mesmo é preocupado com o futuro dos seus padrinhos Ricardo Teixeira, José Maria Marin e Marco Polo Del Nero, acusados perante a Justiça americana de não apenas desrespeitar regras e ritos, mas a própria lei, por terem, segundo a acusação, embolsado gordas somas de dinheiro que deveriam ir para a CBF?

Quando fala da venda do futebol brasileiro para o exterior, é difícil não acreditar que Vicente esteja brincando. Ou ele não sabe que os direitos internacionais sobre os campeonatos já pertencem à Globo há muitos anos? E que os jogos da Seleção também já estão todos vendidos, até muito tempo após o fim do seu mandato? Ele quer vender o quê?

A vergonha alheia fica pior quando o assunto são as categorias de base. Desde quando é proibido registrar jogadores de 13 anos? O que não se pode fazer é prendê-los ao clube como aprendizes ou funcionários. Não se pode porque são crianças e a lei protege as crianças.

E é uma besteira ainda maior dizer que os jogadores de 16 anos não podem ser federados. Não só podem ser federados, como até podem assinar contrato profissional. E de fato centenas de garotos todos os anos assinam contratos tão logo chegam a essa idade. E, por lei, são obrigados a assinar com o clube pelo qual estão federados.

Vicente também disse que seu período será marcado por mudanças na transparência, gestão e resultados. Na transparência, poderia começar por publicar o estatuto e os regimentos da CBF, documentos que são públicos, mas que a CBF esconde. Poderia continuar e divulgar os contratos de patrocínio e, principalmente, quem fatura com as comissões.

Na gestão também é fácil. Se Vicente quer acabar com os erros do passado, é só demitir todo mundo que Marco Polo Del Nero e José Maria Marin colocaram. Afinal, a dupla não foi responsável pelo 7 a 1 que o próprio Vicente cita?

Se ele fizer isso, e, ainda melhor, se sair em seguida, os resultados vão aparecer, com certeza.

O único ponto que Vicente tem razão é quando diz que os 7 a 1 evidenciaram “ao mundo o perigoso estágio de paralisia, letargia e atraso do futebol brasileiro”, que ele atribui a “gestões infelizes”. E quem são os responsáveis por essas gestões? Os seus padrinhos Ricardo Teixeira, José Maria Marin e Marco Polo Del Nero e os presidentes de federações, como ele próprio já foi.

Afinal o que Marcus Vicente pretende? Enrolar enquanto Marco Polo Del Nero tenta encontrar um subordinado fiel para ser seu sucessor diante da perspectiva cada vez mais provável de se afastar de vez da CBF? Fazer as comissões irem para o “seu lado”, como já o fizeram, segundo o FBI, seus três antecessores, Teixeira, Marin e Del Nero?

Se pretende fazer algo de diferente, é muito fácil. É só mandar sua patota passear. E entregar a CBF a quem quer cuidar dela e não apenas se aproveitar para benefício pessoal.