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Especialistas divergem em audiência sobre descriminalização das drogas

Publicado em 30 de março de 2016 às 12:46

Brasília – O debate sobre a alteração da atual Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), previsto por projeto de lei (PLC 37/2013) em trâmite na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, foi marcado pela divergência de opiniões entre os participantes em relação à descriminalização do uso de drogas no Brasil. A audiência pública desta quarta-feira (30) foi a primeira de duas que serão promovidas pela comissão para instruir os senadores a respeito do tema. Amanhã (31) será realizada a segunda.

As principais alterações propostas pelo PLC 37 são o aumento da pena para tráfico de drogas com maior potencial de dependência, como o crack – cuja pena seria aumentada em dois terços em relação à pena por tráfico de outras substâncias -; a rearticulação de entes federativos em relação ao atendimento, à internação dos dependentes e à responsabilização de criminosos.

Além dessas alterações da legislação em vigor, outras duas inovações foram propostas pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, que examinou o texto antes da Comissão de Educação: a indicação de um parâmetro mínimo de porte de droga para diferenciar usuário e traficante e a permissão de importação de produtos e derivados à base de canabinol — princípio ativo da maconha — para uso terapêutico.

“Há quem questione que o ato de portar drogas seja considerado um crime. Os favoráveis à descriminalização alegam que o consumo expõe ao risco apenas o próprio usuário e não terceiros. A descriminalização de drogas como maconha, crack, cocaína, ecstasy, LCD, heroína e outras terá um impacto extremamente negativo para nossa sociedade. Hoje a tipificação penal do consumo impõe ao usuário o constrangimento da abordagem policial e uma condenação. Isso tem um efeito simbólico muito importante, pois inibe o cultivo, o livre transporte pelas ruas e o consumo em locais públicos”, opinou o senador Romário (PSB-RJ), presidente da Comissão de Educação.

Os pontos mais polêmicos debatidos pelos participantes da audiência de hoje foram a descriminalização do uso de drogas, especialmente as mais pesadas; a legalização do uso de maconha e de medicamentos derivados do canabinol.

O professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o médico psiquiatra Luís Fernando Farah de Tófoli, iniciou sua exposição fazendo uma diferenciação entre a despenalização do uso de drogas – a ausência de pena de privação de liberdade -, que é o que já ocorre no Brasil; a descriminalização do uso – em que os usuários não são considerados criminosos -; a regulamentação do uso – em que o consumo é tornado lícito para que haja controle por parte do Estado -; e o uso medicinal.

Para ele, dados indicam que a descriminalização associada a mudanças institucionais relacionadas ao uso de drogas reduz taxas de uso, violência, acidentes de trânsito e problemas de saúde pública. Como contraponto, dados do México, por exemplo, em que há uma política de militarização do combate às drogas, apontam para um aumento da criminalidade relacionada ao uso e ao tráfico.

“No Brasil, já há a despenalização do uso, no entanto, se a pessoa for pobre e preta, ela corre o risco de passar meses para receber sua despenalização, porque foi pega em lugar onde havia droga”, informou Tófoli.

Segundo ele, o impacto mais importante da descriminalização é em relação ao sistema de saúde. “Se a pessoa deixa de ser considerada criminosa, aumentam as chances de ela procurar o sistema de saúde em busca de tratamento”. Para o psiquiatra, essa descriminalização é ainda mais importante em relação às drogas mais pesadas e com maior potencial de dependência, como o crack.

“Aumento da repressão não tem sido associado a respostas mais eficientes na América Latina. O impacto da descriminalização é positivo. Se o Brasil não está preparado para a descriminalização, isso quer dizer que está preparado para manter uma política do século passado, que não oferece o amparo necessário, cria distorções no sistema criminal, com impactos sobre a saúde física e mental dos cidadãos”, disse.

Tófoli citou uma alternativa proposta pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, em que propõe a descriminalização para todas as drogas com viés de impacto sobre a saúde pública e sugere a transformação de penas em medidas administrativas.

O professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, discordou da opinião do outro debatedor sobre a descriminalização, especialmente em relação à redução do consumo. De acordo com ele, dados de estados norte-americanos em que houve a liberalização do uso de drogas apontam que há aumento do consumo, especialmente entre jovens, e de danos provenientes do consumo de produtos derivados de drogas, como chocolates, pirulitos e cigarros eletrônicos.

“É uma temeridade tratarmos maconha como se fosse uma droga leve porque não é. Há produtos derivados muitos mais diversificados, com capacidade de produzir dependência muito maior”, afirmou.

Além disso, o médico citou pesquisa em que 90% da população brasileira se posiciona contrariamente à descriminalização do uso e que o Congresso Nacional, como Casa do povo, deve ouvir à opinião da população.

O médico psiquiatra especialista em Álcool e Drogas Sérgio de Paula Ramos concordou com o professor da Unifesp em relação ao posicionamento contrário à descriminalização e comparou a restrição ao uso de drogas ao do cigarro.

Segundo dados apresentados por ele, a partir de quando houve restrição do acesso e proibição da propaganda de cigarro, houve redução de 48% para 17% do tabagismo em Porto Alegre entre a década de 1960 e 2016.

Para ele, o princípio norteador dos legisladores deve ser o proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em que “todas as crianças e adolescentes têm o direito de crescer num ambiente protegido das consequências negativas do consumo de álcool e, sempre que possível, da promoção de bebidas alcoólicas”, que também deve ser estendido em relação ao consumo de drogas.

De acordo com o médico, quanto maior for a percepção de risco da população em relação ao uso de drogas, menor o consumo. “Percebemos um aumento no consumo de maconha devido à redução da percepção de risco. Ao contrário do que ocorre em relação a todas as outras drogas, que estão em redução”, informou.

Sérgio de Paula Ramos disse ainda que a liberalização do uso de drogas tem por trás interesses de grupos, como os de usuários descompromissados com saúde pública; idealistas defensores do direito de usar drogar; operadores do direito, angustiados com a superlotação de presídios; e grupos econômicos interessados na exploração do novo negócio. Segundo ele, a liberalização do uso da maconha tem o potencial de gerar de negócios de mais de US$ 140 bilhões.

* Com informações da Agência Senado.